Tatuagem – Vigiar e Punir | Cinema Brasileiro

Mas, afinal, o que diabos é liberdade? A pergunta de Clécio resume o sentido do filme de Hilton Lacerda E se objeto de desejo é a liberdade, a arma para alcança-la é o deboche.

Tatuagem, discurso politico anárquico, expressão de um desejo libertário, de uma sexualidade reprimida pela pátria, pela religião e pelo ciúmes. O conflito aqui não acontece nas ruas, mas nos corpos dos personagens que fazem da sexualidade um lugar de resistência e disputa de poder, talvez o mais foucautiano dos filmes brasileiro. Onde você mora? Eu moro no quartel Veio nos vigiar, foi? Nos punir Em Vigiar e Punir, Foucault apresenta o conceito de sociedade disciplinar, industrial e capitalista, que por meio de práticas e técnicas impostas por suas instituições, constrói um sistema de poder baseado no controle e na submissão dos corpos através de uma vigilância constante. O poder disciplinar tem como função o adestramento dos corpos, corpos submissos, exercitados e utilizáveis, corpos dóceis, que servem ao sistema Inicialmente, Fininha é um desses corpos Soldado do exército duplamente vigiado, possui o corpo adestrado tanto pela disciplina militar quanto pela moral religiosa de sua família.

No Chão de Estrelas, ele encontra espaço para dar vazão a seus desejos, deixando que sua sexualidade transforme seu corpo em algo que não pode ser controlado, um soldado que não vigia, uma anomalia Não existe pecado, não. Agora, o negocio está bom mesmo, o pai era comunista e o filho é ateu. O castigo disciplinar busca corrigir desvios e recompensar a docilidade dos corpos. Uma série de técnicas sutis, do castigo físico a pequenas humilhações, que não pretendem anular as forças do corpo faltoso, mas recolocá-las sob controle.

Um sistema de gratificação e sanção que permite aos aparelhos disciplinares hierarquizarem os individuos, determinando, assim, a quem castigar ou recompensar. Não é por acaso que o soldado que perseguia Fininha e o dedura por ciúmes, é promovido a sargento, sua sexualidade reprimida refletindo a docilidade de seu corpo Clécio e sua trupe representam o extremo oposto desse espectro, corpos indóceis, de uma sexualidade que subverte os valores da família e da pátria Corpos marginais que possuem no deboche o último recurso contra uma violência da qual não podem escapar, apenas resistir. Porém, Clécio nos mostra que as relações de poder são bem mais complexas do que parecem.

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Para Foucault poder e saber estão diretamente implicados; não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder Assim, apesar do discurso libertário, Clécio utiliza seu saber para ocupar um local de dominância em relação a Paulete, Qual é aquela palavra que eu sempre esqueço? Quais? Tu esquece todas, toda vez e Fininha Mainha disse que ela não aceitou o menino nascer sem cabeça É anencéfalo, Fininha.

Colocando-se inclusive no lugar da autoridade disciplinar. Vou quebrar a louça na sua cara, quebrar a louça de todo mundo nessa casa, menos a de Clécio, porque senão ele me expulsa daqui. O mesmo tipo de autoridade que, por ironia, irá recair sobre seu próprio núcleo familiar, através da escola de seu filho Querem expulsar ele da escola. A briga é porque ele é filho de mãe solteira com pai viado.

A repressão sexual finalmente se instala no Chão de Estrelas com a censura do seu espetáculo. Porém, estes não são corpos que podem ser contidos facilmente. Se contenha você Diante da lei injusta, a responsabiidade de desobedecer; diante à moral, o deboche Corpos que não se deixam adestrar, que caem com a certeza de que se levantarão para continuar resistindo.

Estamos aqui hoje, para estreiar o fim, e inaugurar o futuro. E esgotar a teia preservativa do medo e colocar todos os cús, os cús, os cús, os cús, os cús, os cús. Aqui voltamos ao início. Mas, afinal, o que diabos é liberdade? Democracia é liberdade? A liberdade tem símbolo? A resposta debochada indica caminhos, como impõe questionamentos.

Liberar os corpos do poder disciplinar? Sim Da moral religiosa? Sim Da repressão sexual? Sim Mas eu me pergunto, será o suficiente? Provavelmente não, mas sem dúvida faz parte da luta.

FICHA TÉCNICA:

GÊNERO: Drama
ROTEIRO E DIREÇÃO: Hilton Lacerda
ELENCO: Irandhir Santos, Jesuíta Barbosa, Rodrigo García, Sílvio Restiffe, Sylvia Prado
PRODUÇÃO: João Vieira Jr.
PRODUÇÃO EXECUTIVA: Nara Aragão
DIREÇÃO DE PRODUÇÃO: Dedete Parente Costa
DIREÇÃO DE FOTOGRAFIA: Ivo Lopes Araújo
DIREÇÃO DE ARTE: Renata Belo Pinheiro
TRILHA MUSICAL: DJ Dolores (Helder Aragão)
MONTAGEM: Mair Tavares
FIGURINO: Christiana Garrido
MAQUIAGEM: Donna Meirelles
DESENHO DE SOM: Waldir Xavier
SOM DIRETO: Danilo Carvalho
MIXAGEM: Ricardo Cutz
EMPRESA PRODUTORA: REC Produtores Associados
DURAÇÃO: 108 min.
ANO: 2013
PAÍS: Brasil
DISTRIBUIDORA: 
Imovision